segunda-feira, março 26, 2007

Prender-te a mim…


Se eu te der o meu coração numa bandeja envolto ainda em pontos por alguém que já o magoou, será que não o vais partir outra vez? Promete-me que não… Deixa-me dar-te o meu coração que esta noite tanto precisa de alguém fique com ele. Pode ser só hoje, só esta noite, apenas umas horas enquanto a noite brinca com as estrelas e eu brinco com os cabelos do teu peito. E amanhã tudo seria igual e é como se tudo não tivesse passado de um sonho e se pode até esquecer.
Deixa-me contar-te histórias ao ouvido, deixa-me rir da tua cara de puto quando acordas de manhã, deixas-me acreditar que por momentos és o meu chão mesmo que depois me deixes cair. Deixa-me voar no teu colo, no teu beijo, na tua mão. E aperta-me com força, com medo de me perder.
Se eu te der o meu coração, será que mo vais roubar e devolver partido como outrora já alguém fez? Essa sede de viver, essa liberdade exagerada que procuras, o medo de te prenderes às estrelas porque a Lua vive presa no céu, não te deixa tempo para me agarrares e teres medo de me perder…
Porque esta noite precisava que fosses o meu chão e me deixasses brincar com os cabelos do peito, porque esta noite gostava que fosses só meu e de mais ninguém. Porque esta noite apetecia-me esquecer a liberdade e prender-te a mim, porque hoje preciso e sei que no fundo tu também…


Mpalma
1-03-2007
Foto: self_prepared_heart__by_plectrude

quinta-feira, março 22, 2007

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quise'ssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


Odes de Ricardo Reis
Foto: vem_sentar_te_comigo_by_m00nLight