Estás bem? Bem sei que é retórica esta pergunta, porque acredito que o teu silêncio se manterá mesmo depois de leres todo este “testamento”. Contudo gostaria obviamente de saber de ti, de te olhar nos olhos, abraçar e sorrir, pelo carinho imenso que sempre sentirei por ti, e perceber se o brilho voltou. Talvez tenhas precisado de te afastar e cortar totalmente comigo para seguires a tua vida. Hoje sei que talvez tinha sido o melhor...
Está e a minha última carta de (des)amor para ti e escolhi envia-la neste dia por um motivo. Bem sabes que tenho memória de elefante, e há tantas coisas que gostava às vezes de ter esquecido... 7 de dezembro foi o início de tudo. será que ainda te lembras? Passaram 16 anos desde esse dia e do “queremos os dois a mesma coisa” que me enviaste por sms. Durante todo esse tempo eu amei-te. Eu prometi isso. Eu cumpri. Apesar da vida, a vida sempre foi maior que nos. Eu vi toda uma vida contigo desde esse dia. Imaginei e quase consegui tocar na nossa velhice juntos, tu de cadeiras de rodas e eu de bengala lembras-te?
Durante todos estes anos, das idas e vindas, das tentativas falhadas de suprimir a tua ausência, dos medos de quando tudo parecia dar certo. Foste tu. Sempre tu que me mantiveste aqui, que me fizeste acreditar numa felicidade. Coloquei todo o poder de ser alguém nas tuas mãos. Eu permiti isso, e apesar de tudo saber que podia não ser naquele momento, mas que um dia haveria de existir contigo era consolo para tudo. Foste platônico e real. Foste puro e profano. Foste o verdadeiro significado das lendas de fios vermelhos invisíveis e almas gêmeas. Tudo concentrado em ti. Um antes e um depois. A minha vida acabou por se resumir a amar-te, ao antes e depois de ti. Bem sei... bem sei dos meus erros. E irei pagá-los todos, no hoje ou no amanhã. Contudo, convivo com eles todos os dias e só eu sei o quanto dói cá dentro determinadas decisões, e essa tal como as memórias de ti, carrego-as todos os dias. Tatuei na pele os mesmos, tal como te tatuei em mim. Fazem parte daquilo que sou e daquilo que um dia fomos, e apesar de tudo, tenho imenso orgulho no amor que um dia vivemos e tivemos. Vê-se pouco disso por aí hoje em dia não é?
Contarei um dia aos meus filhos esta história para que acreditem no amor e se entreguem sem medos, assim como quem sabe, um dia contes ao teu que existiu uma louca que durante mais de uma década te escreveu cartas de amor.
O universo sabe o que faz.. e nós apenas estávamos destinados a viver algo que teria um fim.
O que me custa mais que ao fim inevitável da nossa história, é ter perdido o meu melhor amigo. Porque o foste. É ter perdido aquela pessoa que me conhece melhor que ninguém, que me lê melhor que ninguém e que me consegue fazer ver as coisas de um outro prisma. Aquele com quem a partilha é natural. Que passe o tempo que passar a conexão é eterna. Tenho pena disso. Tenho pena que tenhamos perdido essa parte de nós. Devo dizer-te que agradeço muito mais hoje do que o fiz em toda a minha vida. Que apesar da ansiedade vivo um dia de cada vez, sabendo que no final, algo bom poderá vir, pois acredito na lei do retorno, na lei da atração e na lei de que recebemos exatamente aquilo que damos. Libertei me não só de ti, de mim também é do teu fantasma, da necessidade de controlar tudo o que não conhecia, porque a minha verdade se centrava em apenas uma pessoa: tu. Hoje consigo ver isso. Hoje consigo perceber que perdi demasiado tempo e energia acreditando e pedindo ao universo que te devolvesse a mim. Condicionei toda uma vida, magoei outras tantas pessoas pelo caminho, assim como te magoei a ti por puro medo, por puro medo de não te chegar e não te conseguir fazer feliz como merecias.
Mas esse medo levou-te aí. Aí mesmo onde estás e com quem estás e ao que tens agora. E só espero que seja bom, e que o saibas aproveitar.
Fiz-te o luto da maneira correta. Chorei, berrei, ouvi todas as músicas da “nossa” playlist, escrevi, fui ao fundo do poço, até ao dia em que aceitei. Aceitei que não estás aqui e que não vais voltar. Aceitei que perdi o meu amor próprio por o amor que te tinha. E percebi isso mesmo no último dia em que te vi pelo ridículo da situação. Aceitei que apenas me querias aqui para quando te sentisses perdido, pudesses ter onde voltar. Amei-me a mim mesma e aprendi e estar sozinha comigo antes de estar com alguém. Quantas vezes me disseste isso? Tinhas razão. Hoje sei isso, hoje percebo isso. Não procurei outros corpos para te esquecer, não acreditei nas coisas bonitas que me diziam. Afastei todos aqueles que de alguma forma me poderiam dar consolo emocional, para não voltar a entrar no ciclo vicioso que criei durante anos contigo. Simplesmente aceitei com resignação que tinha de ser assim por causa-efeito. Aceitei que vieste apenas para me ensinar a amar, para viver um amor e saber identificar o próximo. Exorcizei esta casa de ti, e todos os dias foi mais fácil não te ver na cozinha, não te ver no copo de vinho, não te ver aqui do lado esquerdo da cama e em tantos outros pormenores onde estavas diariamente. O caminho até ao Algarve já não me fazia recordar-te e aos poucos, de todas as vezes que lá fui já não me doía o coração ao saber que tantas vezes fiz aquele caminho só para estar contigo e te sentir. E um dia, pela primeira vez em 16 anos, não foste a primeira pessoa em quem pensei quando acordei. E nesse dia eu percebi que começava a deixar-te ir. Nesse dia eu percebi que finalmente te tinha arrumado naquela gaveta que é só tua. Tens um lugar muito especial. Sempre terás. Mas já não estás no pedestal que te criei, já não és o ser “divino” que acreditava seres. Já não és a base de comparação para tudo e nada. E aos poucos a vida fica mais leve com a partida dos nossos fantasmas, sorrimos mais, acreditamos mais, queremos mais. A cruz que carregava comigo e a culpa acabaram por desaparecer com a aceitação de que não era para ser.
Para além de te exorcizar, o meu lado espiritual mudou igualmente, comecei a estudar assuntos e questões que colocava a anos, aprendi uma nova forma de ver a vida e tudo se foi encaixando aos poucos. Enquanto seres humanos precisamos de acreditar em alguma coisa que nos salve de nós mesmos. E tudo é uma lição para a nossa evolução.
Era tão bom quanto estranho, pois querendo ou não a dor de não te ter travou amizade comigo, e tal como tu, eu tinha sempre onde voltar quando algo corria mal: para a minha dor e para as memórias de ti, e algumas vezes a tua voz. Eu insistia em colocar o dedo nas minhas próprias feridas para as lamber de seguida, só porque não te queria deixar ir, não queria perder este sentimento porque me perderia também de mim. Porque era só isso que eu conhecia, até agora. Tu eras a minha única verdade absoluta. Mas não existem verdades absolutas, e tudo depende da forma como encaramos a vida e os acontecimentos dela. E para tudo existe um fim.
Então acabou a nossa, tua era, acabou o fantasma, acabou o beija flor, acabou o caso indefinido.
E depois apareceu ele. Já te disse que o universo sabe o que faz? E ao início eu juro que as mãos dele me faziam lembrar as tuas e que de perfil me fazia lembrar de ti, e que aquela tendência de por a mão dele na minha perna, fosse onde fosse, era parecida com a tua. Tinha sido tanto tempo a procurar alguém que te substituísse que a realidade se confundia com a ilusão. E eu não quiz, tive medo. Demorei a perceber se realmente queria aquela pessoa pelos motivos certos ou se era apenas mais um substituto. E tudo em mim me dizia que não. Tudo em mim sentia que não. Não se entra duas vezes na mesma nuvem, e não se ama da mesma maneira outra pessoa. Mas tal como tu me ensinaste a amar, e a partir do momento em que me permiti a ser amada porque já me amava a mim, o universo sabe o que faz, e eu fui acreditando, e se sempre vi o fim com todos os outros, porque era só questão de tempo até tu apareceres e as pernas tremerem, ou ouvir a tua voz para ter a certeza que eras tu que eu queria, e magoei tanta gente neste caminho que fiz, porque eram apenas tentativas de te substituir, que não via o fim. E desta vez ou é de vez, ou fecho este coração porque já não tenho idade para criar mais ilusões. Mas agora é sem ti a assombrar esta casa e o meu coração.
Nem tudo são rosas, há muitas cicatrizes e ninguém quer abrir nenhuma. A vida acaba por nós moldar e vamos sendo mais cuidadosos antes de nós entregarmos totalmente a alguém. Mas pela primeira vez em 16 anos, eu senti vontade de dizer amo-te a alguém no final de cada mensagem e essa pessoa pela primeira vez em muito tempo, não eras tu. E isso foi estranhamente bom.
Espero que tenhas igualmente encontrado uma pessoa a tua altura, que partilhe igualmente dos teus gostos e que consiga acompanhar os teus sonhos. Ainda os tens não tens? Esses olhos já conseguem sorrir e já te perdoaste a ti mesmo?
Continuou a achar que a felicidade é um estado de espírito e a verdade é que sempre tive mais a agradecer que a reclamar. O que estava fazendo comigo e com a minha vida é que me levava a achar que não, tudo porque tu não ficaste e eu não fui atrás. A verdade é que foi uma benção que me deram e nos deram, amar te da maneira como te amei, e acredito que um dia tu também o tenhas feito comigo. Sentir que mais que corpo éramos almas, e sei que serás sempre a minha alma gêmea, e era essa a nossa essência. Sempre me tocaste muito mais a alma que o corpo, apesar de toda eu te desejar, mas era essa conjugação que fazia de ti, aos meus olhos, um ser perfeito e divino. A conjugação da perfeição por conseguires juntar todos os prazeres em todos os sentidos. Mas não és. És de carne e osso e sangue. Como eu, como todos. Apenas por qualquer motivo a tua energia se fundia na minha e éramos nós. E juntos até éramos mais fortes não é?
Já me devo ter repetido um milhão de vezes por tudo o que já te disse antes. E adivinha? Parece que me curei de ti. Acredito que estejas contente. Acredito que no fundo fosse há muito tempo o que querias. Agora posso deixar-te em paz, finalmente não é?
Durante todo este ano muitas coisas que considerava nossas deixaram de existir, e isso era só mais um sinal do universo de que tinha chegado finalmente o fim.
No fundo eu só queria hoje, saber se estás bem, saber de ti, ficar feliz com as tuas conquistas, saber dos teus planos e ouvir a tua alegria. Compreendo que nos magoamos demais para podemos fazer isso hoje. Apesar de tudo, como já te disse, perdi o meu amor, mas nunca quis perder o meu melhor amigo. E se um dia quiseres, estarei aqui para festejar contigo as tuas vitórias ou dar-te o meu ombro para te lembrares do sabor do que um dia foi a tua casa.
Gratidão por tudo o que foste. Não foram 16 anos perdidos. Foram 16 anos repletos de momentos fantásticos e memórias dignas de contos de fada onde um dia fomos os protagonistas.
Tenhamos orgulho acima de tudo, no amor que nos uniu um dia.
MPalma
7 dezembro 2019